Posts da Aula da Hela
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Re: Posts da Aula da Hela
Era engraçado ter como instrutora de manuseio de armas uma filha de Hécate, que podia ser tão apta a usar armas quanto magias. Talvez aquela fosse a única pessoa no Acampamento que eu me recusaria a lutar contra em uma arena, armada.
Acabara de sair do chalé de Ares enquanto o ar úmido da manhã me assolava os ombros e o peito nu. O tronco coberto apenas por uma regata surrada e leve, cinzenta, que eu considerava confortável para um treinamento que precisasse de bastantes movimentos e jogos de corpo, como gingados e esquivas. As calças de montanhismo, marrons, também me permitiam movimentos rápidos e não limitados por tecidos, enquanto os coturnos me davam uma boa base para a pisada.
Durante o caminho, alguns semideuses começavam a passar pelo arco da arena e, quando fui passar, acabei esbarrando em um garoto encoberto por um longo sobretudo negro, que apenas exibia os olhos claros e os cabelos escuros. Suas pálpebras se afinaram como se o que eu havia feito fosse proposital e que eu não deveria ter feito aquilo.
A típica arrogância que fazia meu sangue ferver!
— O que foi? Nunca viu? — Ergui ambos os braços, ainda andando de costas, como se o intimasse.
O semideus então fixou seus olhos em mim e me analisou como se eu fosse apenas um ser desprezível que não merecesse andar livremente, e caminhou até mim de forma petulante. Abaixei os braços e aguardei, deixando que algumas pessoas passassem aos lados, ignorando aquele provável embate, enquanto outras paravam para observar o desfecho trágico do encontro.
Senti meu coração bater acelerado enquanto um sorriso de canto de lábio começava a surgir. Eu estava com a mão coçando para bater em alguém.
O garoto sacou de suas costas uma foice e logo liguei a arma a quem aquele semideus era devoto, e um pouco mais de asco veio à língua, com a lembrança de meu irmão, Cody, que era um ceifador do deus Tânatos e já tentou um embate contra mim. Acabei por abrir mais o sorriso quando a arma de longo alcance foi solta no chão. A ponta tocou a sombra do semideus e foi sugada como se caísse em um buraco.
Voltei os olhos para o semideus, endurecendo a expressão e fazendo o sorriso sumir de meus lábios.
— Aqui vai um conselho: se vai me atacar... — Os dedos da mão destra se fecharam em um punho. — É melhor que me mate em um único golpe, o que eu duvido que consiga.
O semideus puxou um tridente das suas costas, agora, e o fincou entre nossos corpos. Aquela arma agora servia de apoio para os braços do ceifador, que continuava a manter aquele mesmo ar de desdém, tentando a todo custo me diminuir, tentar parecer superior e arrogante. Como se não bastasse, pude notar um símbolo romano me ser revelado, com um oceano e braços de polvo enlaçando um iceberg.
— Você me lembra muito os impacientes e esquentados filhos de Marte... Acho que é carma... — Soltei uma risada anasalada e olhei para o semideus ao meu lado, umedecendo os lábios e mordendo o inferior.
Em um movimento súbito segurei o pescoço do garoto e o conduzi à parede, o levantando do chão e mantendo-o na pegada enquanto observava seus olhos.
— E você é como todo filho dos três grandes. A arrogância mal cabe em suas palavras... e você soa estúpido. — Ri uma vez mais, agora passando a ele que quem o desprezava era eu. — Talvez os paus mandados de Tânatos não tenham medo de morrer...
— Bom... Em momento nenhum tentei ser arrogante. Se pareceu para você, peço minhas sinceras desculpas pelo corrido. — Soltei o seu pescoço, mas o empurrei contra a parede, fazendo-o se chocar de leve.
— Economiza seu fôlego... — Me afastei dois passos, ainda observando o ceifador filho de Netuno, que parecia tagarelar sem parar.
— E sobre ser pau mandado de Tânatos... Creio que está levemente enganada. O meu medo da morte... — Virei em direção para a Arena, cortando-o imediatamente.
— Eu não quero saber... e já disse pra poupar o seu fôlego pra Arena. — Dei as costas para o semideus e fui para o local onde a instrutora estava, pisando pesadamente. — Você vai ser meu boneco de Sparring.
Hela se prostrava à frente do grupo de semideuses na Arena do Acampamento Meio-Sangue. Sua postura tinha um misto de imponência e misticismo, extremamente atrelada aos filhos da magia, e com um toque de terror, que eu não sabia distinguir a origem, até que a semideusa começou a falar e contar o intuito daquela aula.
— Me chamo Hela e sou a líder dos necromantes, eu estou aqui para dar aula sobre armas. Como vocês podem aprender a manusear itens que são maiores que vocês? Ou, como conseguirão manusear itens com os quais vocês não têm afinidade nata? Essa aula serve para auxiliá-los.
Ouvi uma aproximação e notei, com o canto dos olhos, a grande mancha preta que se aproximava. O mesmo garoto de antes, que eu quase afofara antes da aula começar, trazia a sua presença ao meu lado e meu coração disparou, fazendo a adrenalina circular pelo corpo. Os batimentos ribombando meus ouvidos quase me ensurdeceram para as suas palavras.
— Você me arrastou para uma aula? Qual o seu plano? — Fechei os olhos e suspirei pesadamente, voltando a abri-los assim que estava mais calma.
— Eu não sei do que você tá falando... nos esbarramos na entrada e essa aula é livre para fazer... quem quiser. — Virei o rosto, finalmente, para o semideus romano, filho de Netuno. — Eu gostaria de ouvir a professora.
Só naquele momento percebi que a filha de Hécate havia silenciado as palavras, pois, aparentemente, havia interrompido aquele pedaço da aula. Mordi o lábio inferior e franzi o cenho para o filho de Netuno, voltando-me para a professora.
— Desculpe, pode continuar. — A instrutora ergueu sua espada, exibindo aos alunos.
— É bem prático e recomendado que vocês aprendam o manuseio da lâmina com apenas uma mão. Porque tendo a outra mão livre, você possui maior liberdade de ação.
Observei a semideusa empunhar a espada com o braço flexionado, da mesma forma que eu faria com um gládio, o que não seria possível de fazer com a minha Dímios. Observei atentamente a cada movimento, cada articulação dobrada, cara movimento que a filha de Hécate fazia ou deixava de fazer. Seu braço não estava totalmente rijo, mas a sua mão sim. O ato de deixar a musculatura parcialmente tensionada enquanto os dedos seguravam firme a espada asseguraria que o impacto fosse bem assimilado, sem a arma voar da sua mão.
— Essa posição, seria como uma posição de aguardado, onde você fica preparado para quaisquer ataques que possam vir. Vocês também podem posicionar uma das pernas em frente ao corpo e flexioná-la, usando apenas a perna que está atrás para lhe proporcionar movimentação.
A perna posicionada na retaguarda proporcionaria ao combatente uma base sólida, impedindo que fosse jogado para trás, independente da força que fosse empregada à investida, salvas exceções de forças descomunais.
— Mas eu não estou aqui, não hoje, para ensinar a vocês como se movimentar pelo campo. Até porque eu acredito que esse movimento raramente será lembrado em um momento de desespero e que a forma correta de se movimentar não deva ser o seu maior foco. Seu maior foco é sobreviver. — Ri anasaladamente. Ela tinha razão, no final das contas, por mais que quando eu lutava minha mente entrava em transe e cada movimento era extremamente bem pensado... mas eu era uma filha do Deus da Guerra. — Hoje eu vou ensinar à vocês como bloquear um golpe do oponente e, isso vai depender exclusivamente dos reflexos de vocês, como investir contra eles.
De seu corpo algumas fumaças enegrecidas começaram a se desprender e, de repente, a sombra aos seus se alongou e, de dentro dela, como uma pessoa que surge de uma poça de tinta negra, uma cópia surgiu, totalmente enegrecida. Os olhos vermelhos brilhantes eram a única coisa que se destacava de todo o conjunto. Era como se aquela coisa absorvesse toda a luz. Em outros casos eu teria me preparado para uma batalha, mas Hela entregou à coisa uma espada, o que me fez rir anasaladamente uma vez mais.
— Quando se acha que já se viu tudo na vida... — Dei uma olhada de canto para o garoto ao lado. — Vem uma asiática e te prova que ainda pode fazer mais.
— Observem. — A sombra investiu contra a filha de Hécate, que bloqueou prontamente, erguendo o braço acima da cabeça e mantendo a lâmina para baixo. Faíscas chisparam como vagalumes de fogo.
Em um movimento de retaliação, a semideusa empurrou a espada inimiga para trás, aproveitando-se da desestabilidade de seu clone sombrio, perfurou o seu peito, exatamente no esterno. Não pôde ser ouvido som algum, a não ser algo semelhante a vento passando por estreitas galerias. Rápido como surgiu, a sombra foi banida novamente.
— É claro que vocês não vão matar o coleguinha. – Acabei por soltar uma risada mais sonora, olhando de canto, novamente, para o romano ao meu lado.
— Que sorte a sua, romano.
— Isso foi só uma demonstração para que vocês entendam que, se forem rápidos o suficiente, podem fazer a diferença entre matar e ser morto. —A garota passou a mão pela nuca, de uma forma fofa, e continuou. — O bloqueio requer nada mais que agilidade e força. Vocês precisam ter força o suficiente para travar a arma do oponente. E atenção para não serem pegos de outro modo. Em uma luta real, não será um contra um. — Sorri uma vez mais, lembrando de minha luta contra 12 soldados armados de bastões eletrificados. — Inicialmente, quero que treinem com gente do tamanho de vocês. Há maior chance de terem força semelhante, portanto, maior chance de que obtenham êxito.
Ela observou a mim e ao filho de Netuno encapuzado, e apontou para ambos, como se sinalizasse que treinássemos um com o outro. Meu sorriso se alargou mais ainda, enquanto ela entregava uma espada de Sparring pra cada um. Segurei-a firme no pulso e girei uma vez para frente, uma vez para trás, e observei o semideus, apontando para ele a ponta da arma sem fio.
— Isso não corta... mas ainda dói a pancada. — Ameacei de forma cômica, ainda mantendo o sorriso sádico.
— Partindo do suposto de que vocês travaram a espada do oponente, só precisam analisar como deverão aplicar a força para desestabilizar a arma que está na mão dele e, nesse curto espaço de tempo onde ele irá tentar se recompor, você deverá fazer sua investida. — Assim que ela terminou, voltou ao ponto de origem. — Boa sorte. Precisando, podem me chamar.
— Logo vamos precisar de uma maca, professora... — Empunhei a espada como Hela fizera, e chamei o filho de Netuno com a mão esquerda, mantendo a espada em guarda. — Chega mais, bebê.
O semideus avançou tão certo de seus movimentos que sequer parou para analisar minha experiência em combates, e descreveu um ataque frontal, de cima para baixo, o qual prontamente bloqueei, erguendo a espada horizontal, acima da cabeça. Segurei seu pulso no ato do impacto e o puxei para mim, colando nossos corpos.
— Então você é do tipo agressivo? — Pus a perna entre as suas e meu pé alcançou o seu tornozelo, ficando ali apenas para desequilibrar e, em seguida, dei um passo à frente, nos fazendo avançar.
Em oposição, o semideus de sobretudo forçou contra, mas ele não era capaz de igualar sua força contra uma filha de Ares, então se desequilibrou, desvencilhou da minha pegada e deu um salto para trás. Seus pés tocaram o chão e não dei tempo para que se afastasse mais, corri para cima e abracei a sua cintura, em um agarrão popularmente conhecido como Tackle.
Nossos corpos foram para o chão e suas costas bateram com força, fazendo a areia levantar. Não fiquei por cima, usando da inércia de nosso movimento recente para continuar rolando e logo cair de joelhos, além do corpo do filho de Netuno me prostrei de pé, ainda mantendo o sorriso no rosto e girando a espada no punho.
— Sou Samanta, a propósito. — Ergui a espada novamente, aguardando-o ficar de pé. — Como devo colocar o nome na sua mortalha?
Quando finalmente se recuperou dos excessos de tosse, trouxe os joelhos para perto do peito e chutou o ar enquanto se impulsionava, fazendo um movimento simples do Parkour chamado Kip Up, o qual aprendera, até mesmo, antes da aula da Pretora. Também girou a espada de sparring, me fazendo rir novamente.
— Gerrard... Gerrard é o nome... Prazer em conhecê-la. Filha de Ares, presumo... — Me chamou com a mão, da mesma forma que eu fizera com ele, antes.
— O próprio... — Joguei a espada para a mão canhota e também a girei, passando pelo lado direito, fazendo toda a volta e passando pelo esquerdo, como um símbolo do infinito. — Segura firme essa espada.
Dei dois passos em sua direção, os pés sempre tocando o chão, como em uma dança, e golpeei de baixo para cima, com a canhota, visando um corte em seu dorso até seu ombro esquerdo. Alguma mágica aconteceu e minha arma foi tão bem bloqueada que a lâmina se partiu em duas a partir de uma mera rachadura antiga, fazendo lascas de metal se projetarem para todos os lados, assim como faíscas. Meu braço sentiu todo o impacto e a mudança abrupta de peso e ponto de equilíbrio da arma, acabando por me desequilibrar. A pegada na alça da minha regata e o puxão fizeram meu corpo rolar por cima do seu. Minhas pernas ganharam o ar e, naquele momento, eu não passava de um saco de areia sendo jogado de um lado ao outro.
Caí com tanta força quanto poderia, mas a minha sorte era a minha tolerância para a dor, então não tive problemas em apenas me recuperar, porém, o garoto fora mais rápido e subiu em cima de mim, imobilizando meus braços. Dei uma olhada em cada um, de canto, e depois o encarei.
— Não é o bastante pra me segurar, sabe, né? — O perguntei, mantendo uma expressão neutra, mas ele parecia ter ignorado a minha pergunta.
— Você está de parabéns! É uma excelente lutadora, igual ou até mesmo melhor do que a Pretora... — Ele se referia à Evie? — Acho que a verei a partir de agora como uma rival... Samanta.
Quando estava prestes a responder os seus lábios vieram aos meus e tive um selinho roubado. Não tive outra reação a não ser a de enrubescer enquanto arregalava os olhos. Me senti envergonhada por aquele beijo roubado e, ainda mais, por ele ser um total estranho que, a alguns minutos atrás, eu estava querendo matar. Meu coração batia acelerado em meu peito e eu estava tão no automático que sequer reparei quando segurei em sua mão e me pus de pé.
— Belo decote, falando nisso... Combina com uma princesa da guerra. — Olhei para baixo apenas para ver uma das alças da regata arrebentada e sentir o sangue ferver em minha cabeça.
— Filho da... — Olhei em volta e pude ver dois semideuses novatos lutando, o suficiente para que eu pudesse pegar uma arma de volta.
Senti a mão solidificar tal qual uma estátua de bronze e aparei o golpe de um deles no meio. Faíscas voaram como se ele tivesse atingido uma parede. Dei dois passos em direção do garoto, fazendo-o entrar em meu raio de alcance, e desferi um ataque com cabo da espada, ainda segurando a arma pela sua lâmina sem fio. A arma atingiu um escudo que surgiu do nada, tinindo o som metálico e fazendo o corpo do semideus ser arrastado para trás.
Assim que o golpe fora desferido a espada fora despedaçada, mas aproveitei que minha mão canhota ainda mantinha a textura de bronze e pulei, desferindo um golpe na armadura, de cima para baixo. A pressão fez o filho de Netuno cair em seus joelhos e dar alguns passos para trás, cambaleante.
Gerrard abriu os braços enquanto eu ofegava, necessitada pelo oxigênio que regava os músculos. Estava pronta para perfurar o seu peito com minha mão, mas então o romano soltou o escudo e tirou o seu sobretudo. Uma blusa regata, azul, foi revelada e então ele também à removeu, me entregando com um sorriso um tanto quanto inseguro.
— Perdoe-me pela blusa... Aqui... toma a minha camiseta. — Meus olhos passavam dos seus até sua roupa, momento este que peguei o tecido e o estendi em minha frente, no ar.
— Obrigada... — Todos estavam me encarando, assim como alguns olhavam para Gerrard. Vesti a blusa e analisei o semideus. — Desculpem, eu acho que perdi o controle. — Suspirei e olhei para o filho de Netuno, mordendo o lábio inferior. — Passa na enfermaria pra cuidar desse braço... depois da força que eu usei você vai precisar de, pelo menos, um relaxante muscular.
Girei nos calcanhares e caminhei apressada para fora da Arena. Já havia chamado a atenção demais para mim e só esperava que não fosse dedurada para Quíron e ficasse conhecida como “A líder de chalé que tentou matar um romano em uma aula simples.”
Acabara de sair do chalé de Ares enquanto o ar úmido da manhã me assolava os ombros e o peito nu. O tronco coberto apenas por uma regata surrada e leve, cinzenta, que eu considerava confortável para um treinamento que precisasse de bastantes movimentos e jogos de corpo, como gingados e esquivas. As calças de montanhismo, marrons, também me permitiam movimentos rápidos e não limitados por tecidos, enquanto os coturnos me davam uma boa base para a pisada.
Durante o caminho, alguns semideuses começavam a passar pelo arco da arena e, quando fui passar, acabei esbarrando em um garoto encoberto por um longo sobretudo negro, que apenas exibia os olhos claros e os cabelos escuros. Suas pálpebras se afinaram como se o que eu havia feito fosse proposital e que eu não deveria ter feito aquilo.
A típica arrogância que fazia meu sangue ferver!
— O que foi? Nunca viu? — Ergui ambos os braços, ainda andando de costas, como se o intimasse.
O semideus então fixou seus olhos em mim e me analisou como se eu fosse apenas um ser desprezível que não merecesse andar livremente, e caminhou até mim de forma petulante. Abaixei os braços e aguardei, deixando que algumas pessoas passassem aos lados, ignorando aquele provável embate, enquanto outras paravam para observar o desfecho trágico do encontro.
Senti meu coração bater acelerado enquanto um sorriso de canto de lábio começava a surgir. Eu estava com a mão coçando para bater em alguém.
O garoto sacou de suas costas uma foice e logo liguei a arma a quem aquele semideus era devoto, e um pouco mais de asco veio à língua, com a lembrança de meu irmão, Cody, que era um ceifador do deus Tânatos e já tentou um embate contra mim. Acabei por abrir mais o sorriso quando a arma de longo alcance foi solta no chão. A ponta tocou a sombra do semideus e foi sugada como se caísse em um buraco.
Voltei os olhos para o semideus, endurecendo a expressão e fazendo o sorriso sumir de meus lábios.
— Aqui vai um conselho: se vai me atacar... — Os dedos da mão destra se fecharam em um punho. — É melhor que me mate em um único golpe, o que eu duvido que consiga.
O semideus puxou um tridente das suas costas, agora, e o fincou entre nossos corpos. Aquela arma agora servia de apoio para os braços do ceifador, que continuava a manter aquele mesmo ar de desdém, tentando a todo custo me diminuir, tentar parecer superior e arrogante. Como se não bastasse, pude notar um símbolo romano me ser revelado, com um oceano e braços de polvo enlaçando um iceberg.
— Você me lembra muito os impacientes e esquentados filhos de Marte... Acho que é carma... — Soltei uma risada anasalada e olhei para o semideus ao meu lado, umedecendo os lábios e mordendo o inferior.
Sim, eu estava profundamente irritada.
Em um movimento súbito segurei o pescoço do garoto e o conduzi à parede, o levantando do chão e mantendo-o na pegada enquanto observava seus olhos.
— E você é como todo filho dos três grandes. A arrogância mal cabe em suas palavras... e você soa estúpido. — Ri uma vez mais, agora passando a ele que quem o desprezava era eu. — Talvez os paus mandados de Tânatos não tenham medo de morrer...
— Bom... Em momento nenhum tentei ser arrogante. Se pareceu para você, peço minhas sinceras desculpas pelo corrido. — Soltei o seu pescoço, mas o empurrei contra a parede, fazendo-o se chocar de leve.
— Economiza seu fôlego... — Me afastei dois passos, ainda observando o ceifador filho de Netuno, que parecia tagarelar sem parar.
— E sobre ser pau mandado de Tânatos... Creio que está levemente enganada. O meu medo da morte... — Virei em direção para a Arena, cortando-o imediatamente.
— Eu não quero saber... e já disse pra poupar o seu fôlego pra Arena. — Dei as costas para o semideus e fui para o local onde a instrutora estava, pisando pesadamente. — Você vai ser meu boneco de Sparring.
Hela se prostrava à frente do grupo de semideuses na Arena do Acampamento Meio-Sangue. Sua postura tinha um misto de imponência e misticismo, extremamente atrelada aos filhos da magia, e com um toque de terror, que eu não sabia distinguir a origem, até que a semideusa começou a falar e contar o intuito daquela aula.
— Me chamo Hela e sou a líder dos necromantes, eu estou aqui para dar aula sobre armas. Como vocês podem aprender a manusear itens que são maiores que vocês? Ou, como conseguirão manusear itens com os quais vocês não têm afinidade nata? Essa aula serve para auxiliá-los.
Ouvi uma aproximação e notei, com o canto dos olhos, a grande mancha preta que se aproximava. O mesmo garoto de antes, que eu quase afofara antes da aula começar, trazia a sua presença ao meu lado e meu coração disparou, fazendo a adrenalina circular pelo corpo. Os batimentos ribombando meus ouvidos quase me ensurdeceram para as suas palavras.
— Você me arrastou para uma aula? Qual o seu plano? — Fechei os olhos e suspirei pesadamente, voltando a abri-los assim que estava mais calma.
— Eu não sei do que você tá falando... nos esbarramos na entrada e essa aula é livre para fazer... quem quiser. — Virei o rosto, finalmente, para o semideus romano, filho de Netuno. — Eu gostaria de ouvir a professora.
Só naquele momento percebi que a filha de Hécate havia silenciado as palavras, pois, aparentemente, havia interrompido aquele pedaço da aula. Mordi o lábio inferior e franzi o cenho para o filho de Netuno, voltando-me para a professora.
— Desculpe, pode continuar. — A instrutora ergueu sua espada, exibindo aos alunos.
— É bem prático e recomendado que vocês aprendam o manuseio da lâmina com apenas uma mão. Porque tendo a outra mão livre, você possui maior liberdade de ação.
Observei a semideusa empunhar a espada com o braço flexionado, da mesma forma que eu faria com um gládio, o que não seria possível de fazer com a minha Dímios. Observei atentamente a cada movimento, cada articulação dobrada, cara movimento que a filha de Hécate fazia ou deixava de fazer. Seu braço não estava totalmente rijo, mas a sua mão sim. O ato de deixar a musculatura parcialmente tensionada enquanto os dedos seguravam firme a espada asseguraria que o impacto fosse bem assimilado, sem a arma voar da sua mão.
— Essa posição, seria como uma posição de aguardado, onde você fica preparado para quaisquer ataques que possam vir. Vocês também podem posicionar uma das pernas em frente ao corpo e flexioná-la, usando apenas a perna que está atrás para lhe proporcionar movimentação.
A perna posicionada na retaguarda proporcionaria ao combatente uma base sólida, impedindo que fosse jogado para trás, independente da força que fosse empregada à investida, salvas exceções de forças descomunais.
— Mas eu não estou aqui, não hoje, para ensinar a vocês como se movimentar pelo campo. Até porque eu acredito que esse movimento raramente será lembrado em um momento de desespero e que a forma correta de se movimentar não deva ser o seu maior foco. Seu maior foco é sobreviver. — Ri anasaladamente. Ela tinha razão, no final das contas, por mais que quando eu lutava minha mente entrava em transe e cada movimento era extremamente bem pensado... mas eu era uma filha do Deus da Guerra. — Hoje eu vou ensinar à vocês como bloquear um golpe do oponente e, isso vai depender exclusivamente dos reflexos de vocês, como investir contra eles.
De seu corpo algumas fumaças enegrecidas começaram a se desprender e, de repente, a sombra aos seus se alongou e, de dentro dela, como uma pessoa que surge de uma poça de tinta negra, uma cópia surgiu, totalmente enegrecida. Os olhos vermelhos brilhantes eram a única coisa que se destacava de todo o conjunto. Era como se aquela coisa absorvesse toda a luz. Em outros casos eu teria me preparado para uma batalha, mas Hela entregou à coisa uma espada, o que me fez rir anasaladamente uma vez mais.
— Quando se acha que já se viu tudo na vida... — Dei uma olhada de canto para o garoto ao lado. — Vem uma asiática e te prova que ainda pode fazer mais.
— Observem. — A sombra investiu contra a filha de Hécate, que bloqueou prontamente, erguendo o braço acima da cabeça e mantendo a lâmina para baixo. Faíscas chisparam como vagalumes de fogo.
Em um movimento de retaliação, a semideusa empurrou a espada inimiga para trás, aproveitando-se da desestabilidade de seu clone sombrio, perfurou o seu peito, exatamente no esterno. Não pôde ser ouvido som algum, a não ser algo semelhante a vento passando por estreitas galerias. Rápido como surgiu, a sombra foi banida novamente.
— É claro que vocês não vão matar o coleguinha. – Acabei por soltar uma risada mais sonora, olhando de canto, novamente, para o romano ao meu lado.
— Que sorte a sua, romano.
— Isso foi só uma demonstração para que vocês entendam que, se forem rápidos o suficiente, podem fazer a diferença entre matar e ser morto. —A garota passou a mão pela nuca, de uma forma fofa, e continuou. — O bloqueio requer nada mais que agilidade e força. Vocês precisam ter força o suficiente para travar a arma do oponente. E atenção para não serem pegos de outro modo. Em uma luta real, não será um contra um. — Sorri uma vez mais, lembrando de minha luta contra 12 soldados armados de bastões eletrificados. — Inicialmente, quero que treinem com gente do tamanho de vocês. Há maior chance de terem força semelhante, portanto, maior chance de que obtenham êxito.
Ela observou a mim e ao filho de Netuno encapuzado, e apontou para ambos, como se sinalizasse que treinássemos um com o outro. Meu sorriso se alargou mais ainda, enquanto ela entregava uma espada de Sparring pra cada um. Segurei-a firme no pulso e girei uma vez para frente, uma vez para trás, e observei o semideus, apontando para ele a ponta da arma sem fio.
— Isso não corta... mas ainda dói a pancada. — Ameacei de forma cômica, ainda mantendo o sorriso sádico.
— Partindo do suposto de que vocês travaram a espada do oponente, só precisam analisar como deverão aplicar a força para desestabilizar a arma que está na mão dele e, nesse curto espaço de tempo onde ele irá tentar se recompor, você deverá fazer sua investida. — Assim que ela terminou, voltou ao ponto de origem. — Boa sorte. Precisando, podem me chamar.
— Logo vamos precisar de uma maca, professora... — Empunhei a espada como Hela fizera, e chamei o filho de Netuno com a mão esquerda, mantendo a espada em guarda. — Chega mais, bebê.
O semideus avançou tão certo de seus movimentos que sequer parou para analisar minha experiência em combates, e descreveu um ataque frontal, de cima para baixo, o qual prontamente bloqueei, erguendo a espada horizontal, acima da cabeça. Segurei seu pulso no ato do impacto e o puxei para mim, colando nossos corpos.
— Então você é do tipo agressivo? — Pus a perna entre as suas e meu pé alcançou o seu tornozelo, ficando ali apenas para desequilibrar e, em seguida, dei um passo à frente, nos fazendo avançar.
Em oposição, o semideus de sobretudo forçou contra, mas ele não era capaz de igualar sua força contra uma filha de Ares, então se desequilibrou, desvencilhou da minha pegada e deu um salto para trás. Seus pés tocaram o chão e não dei tempo para que se afastasse mais, corri para cima e abracei a sua cintura, em um agarrão popularmente conhecido como Tackle.
Nossos corpos foram para o chão e suas costas bateram com força, fazendo a areia levantar. Não fiquei por cima, usando da inércia de nosso movimento recente para continuar rolando e logo cair de joelhos, além do corpo do filho de Netuno me prostrei de pé, ainda mantendo o sorriso no rosto e girando a espada no punho.
— Sou Samanta, a propósito. — Ergui a espada novamente, aguardando-o ficar de pé. — Como devo colocar o nome na sua mortalha?
Quando finalmente se recuperou dos excessos de tosse, trouxe os joelhos para perto do peito e chutou o ar enquanto se impulsionava, fazendo um movimento simples do Parkour chamado Kip Up, o qual aprendera, até mesmo, antes da aula da Pretora. Também girou a espada de sparring, me fazendo rir novamente.
— Gerrard... Gerrard é o nome... Prazer em conhecê-la. Filha de Ares, presumo... — Me chamou com a mão, da mesma forma que eu fizera com ele, antes.
— O próprio... — Joguei a espada para a mão canhota e também a girei, passando pelo lado direito, fazendo toda a volta e passando pelo esquerdo, como um símbolo do infinito. — Segura firme essa espada.
Dei dois passos em sua direção, os pés sempre tocando o chão, como em uma dança, e golpeei de baixo para cima, com a canhota, visando um corte em seu dorso até seu ombro esquerdo. Alguma mágica aconteceu e minha arma foi tão bem bloqueada que a lâmina se partiu em duas a partir de uma mera rachadura antiga, fazendo lascas de metal se projetarem para todos os lados, assim como faíscas. Meu braço sentiu todo o impacto e a mudança abrupta de peso e ponto de equilíbrio da arma, acabando por me desequilibrar. A pegada na alça da minha regata e o puxão fizeram meu corpo rolar por cima do seu. Minhas pernas ganharam o ar e, naquele momento, eu não passava de um saco de areia sendo jogado de um lado ao outro.
Caí com tanta força quanto poderia, mas a minha sorte era a minha tolerância para a dor, então não tive problemas em apenas me recuperar, porém, o garoto fora mais rápido e subiu em cima de mim, imobilizando meus braços. Dei uma olhada em cada um, de canto, e depois o encarei.
— Não é o bastante pra me segurar, sabe, né? — O perguntei, mantendo uma expressão neutra, mas ele parecia ter ignorado a minha pergunta.
— Você está de parabéns! É uma excelente lutadora, igual ou até mesmo melhor do que a Pretora... — Ele se referia à Evie? — Acho que a verei a partir de agora como uma rival... Samanta.
Quando estava prestes a responder os seus lábios vieram aos meus e tive um selinho roubado. Não tive outra reação a não ser a de enrubescer enquanto arregalava os olhos. Me senti envergonhada por aquele beijo roubado e, ainda mais, por ele ser um total estranho que, a alguns minutos atrás, eu estava querendo matar. Meu coração batia acelerado em meu peito e eu estava tão no automático que sequer reparei quando segurei em sua mão e me pus de pé.
— Belo decote, falando nisso... Combina com uma princesa da guerra. — Olhei para baixo apenas para ver uma das alças da regata arrebentada e sentir o sangue ferver em minha cabeça.
— Filho da... — Olhei em volta e pude ver dois semideuses novatos lutando, o suficiente para que eu pudesse pegar uma arma de volta.
Senti a mão solidificar tal qual uma estátua de bronze e aparei o golpe de um deles no meio. Faíscas voaram como se ele tivesse atingido uma parede. Dei dois passos em direção do garoto, fazendo-o entrar em meu raio de alcance, e desferi um ataque com cabo da espada, ainda segurando a arma pela sua lâmina sem fio. A arma atingiu um escudo que surgiu do nada, tinindo o som metálico e fazendo o corpo do semideus ser arrastado para trás.
Assim que o golpe fora desferido a espada fora despedaçada, mas aproveitei que minha mão canhota ainda mantinha a textura de bronze e pulei, desferindo um golpe na armadura, de cima para baixo. A pressão fez o filho de Netuno cair em seus joelhos e dar alguns passos para trás, cambaleante.
Gerrard abriu os braços enquanto eu ofegava, necessitada pelo oxigênio que regava os músculos. Estava pronta para perfurar o seu peito com minha mão, mas então o romano soltou o escudo e tirou o seu sobretudo. Uma blusa regata, azul, foi revelada e então ele também à removeu, me entregando com um sorriso um tanto quanto inseguro.
— Perdoe-me pela blusa... Aqui... toma a minha camiseta. — Meus olhos passavam dos seus até sua roupa, momento este que peguei o tecido e o estendi em minha frente, no ar.
— Obrigada... — Todos estavam me encarando, assim como alguns olhavam para Gerrard. Vesti a blusa e analisei o semideus. — Desculpem, eu acho que perdi o controle. — Suspirei e olhei para o filho de Netuno, mordendo o lábio inferior. — Passa na enfermaria pra cuidar desse braço... depois da força que eu usei você vai precisar de, pelo menos, um relaxante muscular.
Girei nos calcanhares e caminhei apressada para fora da Arena. Já havia chamado a atenção demais para mim e só esperava que não fosse dedurada para Quíron e ficasse conhecida como “A líder de chalé que tentou matar um romano em uma aula simples.”
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